Sem tanta parcimônia, algumas defesas que temos simplesmente evaporam após intensas experiências que não nos deixam opções, a não ser sentir “pra valer” a vida. Como nos emblemáticos ritos de passagem – o nascimento, o casamento, a morte, o renascimento –, cheios de vivências tão transformadoras. Não era exatamente o que Tiche Vianna buscava, mas para ela o gravíssimo acidente de carro que sofreu dez anos atrás trouxe um incrível renascimento. A morte rondou sua vida, e por um tempo ela “quase não retornou” do longo coma. Quando acordou, veio resoluta: para continuar a viver, faria de cada instante uma experiência urgente e imprescindível. “Eu simplesmente não tive escolha. Fui obrigada a aumentar a intensidade do que vivia, ou estaria morta”, diz. Nesse novo batismo, ela pôde enfrentar inúmeras barreiras internas – principalmente porque ela é bastante familiarizada com o tema. Tiche ensina a seus alunos da companhia de teatro Barracão, em Campinas, como desenvolver suas próprias máscaras. Até por saber bem como foi difícil remover algumas barricadas emocionais, Tiche faz questão de se manter inquieta, sem se acomodar. “O mais importante para mim foi reconhecer os passos que dei na vida, assim como os que não tive coragem de dar. Com isso, aprendi que sem riscos não há vida.”
Outro inquieto com quem pude conversar foi Federico Marmori, um italiano simpático que nasceu em Roma, tem casa em Paris e faz doutorado na China. Prefere comer pouco, mas sua família não vê sentido nisso. A cada visita que faz a seus tios passa, praticamente, todo seu tempo com eles à mesa, seja por um dia, um fim de semana ou mais. Pão, vinho e saladas em demasia não o impedem de ser submetido a um ou dois pratos (enormes) de pasta fumegante, com muito molho, em cada uma das refeições. Federico não se importa, chega a ser um momento nostálgico para ele, que mudou todos os hábitos familiares em nome de uma saúde equilibrada. Tudo começou em uma viagem que fez ao Nepal, quando tinha 18 anos (hoje ultrapassa os 50, sem definir em quanto). “Foram meses e meses andando por estradas lamacentas, experimentando provações. Para conseguir comida e abrigo, me comunicava através de sinais. Muitas vezes dormi ao relento, observando as estrelas, e a solidão sem fim daquela jornada mudou minha vida completamente”, conta.
Até hoje, quando começa a falar de experiências de vida, Federico sempre cita essa viagem – feita há mais de 30 anos. E complementa: “Um dia, faço de novo. Foi ali que descobri quem eu era, adquiri os hábitos que me norteiam e decidi estudar plantas medicinais”. Através de uma simples escolha – realizar uma longa viagem –, Federico traçou um novo molde para sua vida, diferente do que recebera na educação paterna, e que se mantém firme e forte, apesar dos apelos. Que não vêm só da família, diga-se de passagem. Influências e sugestões recebemos de todos os lados, da mídia e da indústria da propaganda. Existem muitas propostas de alienação, que passam pelas roupas que precisamos vestir para estar na moda e chegam aos restaurantes a que precisamos ir para sermos vistos e comentados. “É preciso olhar para sua própria vida e construir seus próprios significados. O cultivo da própria personalidade é uma iniciativa que irá ajudar na construção da realidade que você decide viver, e não a que os outros lhe impõem. Um cidadão de bem, aliás, deve ajustar a sincronia da sua vida a si mesmo”, diz Marcos Ferreira, membro do Conselho Nacional de Psicologia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário